Encaixes


"Por anos, vivi em missão (...)
Minhas obrigações eram maior do que a minha alegria de viver. Os imperativos dispunham a minha agenda. Acossado pelo fantasma do dever a cumprir, nunca aprendi a dizer não, engoli os chatos de plantão, corri contra o vento. Sim, corri, corri, sem saber para que lado ia. Passei a maior parte da vida fazendo encaixes, tentando encrustrar os roteiros alheios na minha vida. Fui ator de um filme de quinta categoria, dirigido por uma equipe de diretores sem talento, estrelei em cinemas pulguentos. Decorei textos inexpressivos. Achava que a personagem vivia melhor do que eu.
Não quero encaixar os meu parênteses nos textos que me entregaram para decorar. Amedrontado, intuí desaprovações infundadas. Desejo arrancar os cabrestos existenciais que eu mesmo coloquei na boca. Se me vi obrigado a sofrer com as minhas inadequações, sinto-me à vontade para despir máscaras e ser eu mesmo.
Por anos, só li o que fosse “útil”. Cada vez que corria a vista em um romance, poesia ou crônica, sentia-me culpado. Quero dar folga aos meus olhos. Vou deixá-los a vontade para que escolham o que desejarem. Vou despedir o bedel que fiscalizou a minha alma. Não admitirei que os demônios que reinam sobre o legalismo me dominem. Assino a minha própria alforria.
Se vivia a encaixar os meus amigos em minha confusa caderneta de compromisso, agora faço o contrário: vou procurá-los por eles mesmos, sem a preocupação de contabilizar os desdobramentos de nosso encontro (...)" Ricardo Gondim

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